Na casa onde o Miguel cresce, as paredes parecem absorver mais do que apenas o som; absorvem sentimentos, palavras não ditas e a complexidade de uma relação marcada pela distância emocional. Laura, sua mãe, sempre acreditou na rigidez como forma de educação, ecoando as tradições herdadas de uma parentalidade autoritária.
Laura: (entrando no quarto de Miguel) Miguel, já te falei sobre a importância de manteres o teu quarto arrumado. O teu quarto está sempre desarrumado e sujo. Vê se tens brio pelas tuas coisas! E as tuas notas… precisas dedicar-te mais aos estudos. Já sabes, são os melhores alunos que têm mais oportunidades, por isso esforça-te mais, caso contrário nunca vais ser ninguém nesta vida!
(Miguel levanta os olhos, encontrando o olhar firme da mãe. No seu interior, um turbilhão de palavras querem sair, mas a aprendizagem do silêncio é uma lição bem assimilada.)
Miguel (pensamento): Como posso fazer-te entender, mãe? Este quarto, o meu mundo, é o único lugar onde posso ser eu mesmo. E as notas… não refletem a confusão que sinto, a pressão que é ser o filho que esperas.
Laura, interpretando o silêncio de Miguel como concordância, continua, convicta que está a trilhar o caminho certo na educação do filho.
Laura: Tens de perceber que a vida exige disciplina e ordem. Foi assim que fui educada, e é assim que aprenderás a ser responsável.
(Miguel recolhe-se ao seu mundo interior, um espaço onde as palavras têm significado e os sentimentos são livres para existir. A distância entre mãe e filho, embora não declarada, é uma presença constante.)
Miguel (pensamento): Queria ter a coragem de dizer-te que esta disciplina e esta ordem, sufocam-me. Que por detrás desta aparente conformidade, existe um grito por compreensão, por espaço para ser quem sou e para que gostes de mim como sou.
Laura, acreditando firmemente nos valores e métodos que a definiram, não percebe as necessidades do filho, a necessidade de diálogo, de empatia, de autonomia, etc…
Laura: (saindo do quarto) Lembra-te, Miguel, as regras estão aqui para te ajudar a crescer forte e preparado para o mundo.
(Sozinho, Miguel sente-se triste, incompreendido e desvalorizado, mas continua a gostar muito da mãe.)
Miguel (pensamento): Talvez um dia, mãe, as palavras encontrem o seu caminho através do silêncio. Até lá, guardo as minhas batalhas, os meus sonhos, dentro de mim.
Nesta casa, as palavras não ditas refletem e uma história familiar complexa. Uma história onde a parentalidade consciente ainda não encontrou seu lugar, e onde o silêncio é tanto uma defesa quanto um grito abafado por compreensão. Miguel e Laura continuam a dançar esta valsa de desencontros, cada um no seu próprio ritmo, esperando, talvez, pelo momento em que a música os conduza a um entendimento comum.